Sobre Desculpas Esfarrapadas

Ontem na hora do almoço eu tava conversando com um colega do trabalho e ele me disse que um primo havia morrido, mas que, como a família dele tem muita confusão, não ia para o enterro, e emendou “afinal, deixa que os mortos enterrem os seus mortos, não é isso o que diz a Palavra?”…

Ele não é cristão, certamente não evangélico, mas alega viver uma vida religiosa, pelo que já conversamos outras vezes, num sincretismo entre catolicismo popular e espiritismo, e vez por outra trocamos uma ideia sobre religião, Bíblia, fé, cristianismo e onde mais o assunto levar.

Quando esse colega citou esse texto bíblico (de fato, a Palavra diz isso em Mateus 8:22), eu lhe retruquei com a seguinte pergunta: você sabe o que isso quer dizer?

“Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos.” – Mateus 8:22

Muitas vezes, de tanto ouvirmos textos bíblicos, versículos isolados, temos a impressão que conhecemos as Escrituras sagradas, o que nem sempre é o caso. E mesmo que conheçamos o texto impresso, as coisas espirituais somente discerne quem é espiritual, cf. 1 Coríntios 2:12-15.

“Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus.
As quais também falamos, não com palavras que a sabedoria humana ensina, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais.
Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.
Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido.” – 1 Coríntios 2:12-15

Por essa razão, ele deu lá sua explicação para aquilo que considerava ser o significado desse versículo, que numa interpretação rasa (sem qualquer demérito seu) e desprovida do contexto e da iluminação do Espírito Santo, bem poderia ser válida, mas eu passei a explicar-lhe o que realmente significa esse texto, aproveitando a oportunidade que o Espírito havia me concedido de compartilhar um pouco de sua Palavra com alguém que não possui um relacionamento com o Pai, plantando assim, quem sabe, mais uma de muitas sementes que o tempo e as ocasiões me permitiram e espero sempre permitir fazê-lo.

Nesse sentido, eu disse ao colega que esse texto de Mateus 8:22 está num contexto onde há um aparente (subentendido) convite de Jesus para que pessoas o sigam. Num primeiro momento, um escriba, um religioso conhecedor da lei mosaica, apressadamente diz ao Senhor que O seguiria aonde quer que Ele fosse. Jesus lhe alerta que o caminho que Ele seguia era um caminho de imprevistos e necessidades, e que não devemos nos comprometer de maneira irrefletida com seu chamado, que é algo sério e custa caro, referente às coisas que deveremos abrir mão na caminhada.

Em seguida, vem o texto mencionado, quando expliquei ao colega que Jesus aqui fala sobre os mortos espirituais, querendo dizer “deixe que os mortos espirituais enterrem-se a si mesmos, mas vem, tu, e tenha vida Comigo”.

Jesus os (e nos) convida a receber a vida eterna, algo que quem é morto em seus delitos e pecados (cf. Efésios 2:1,5) não tem como discernir. Quem está morto não discerne as coisas da vida, não ouve o chamamento, não tem como responder, por isso inventa e dá desculpas esfarrapadas, porque não entende o que está ouvindo e menos ainda o que está dizendo, o peso e a profundidade das coisas espirituais para as quais ainda não foi iluminado a compreender nem vivificado a fazê-lo.

“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados… Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)…” – Efésios 2:1,5

Continuei fazendo menção a outro texto semelhante a este, onde Jesus convida, por meio de uma parábola, as diversas pessoas a segui-Lo, cada uma das quais lhe apresenta uma desculpa. O texto é o de Lucas 14:16-33.

“Porém, ele lhe disse: Um certo homem fez uma grande ceia, e convidou a muitos.
E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: Vinde, que já tudo está preparado.
E todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo, e importa ir vê-lo; rogo-te que me hajas por escusado.
E outro disse: Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los; rogo-te que me hajas por escusado.
E outro disse: Casei, e portanto não posso ir.
E, voltando aquele servo, anunciou estas coisas ao seu senhor. Então o pai de família, indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade, e traze aqui os pobres, e aleijados, e mancos e cegos.
E disse o servo: Senhor, feito está como mandaste; e ainda há lugar.
E disse o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e valados, e força-os a entrar, para que a minha casa se encha.
Porque eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia.
Ora, ia com ele uma grande multidão; e, voltando-se, disse-lhe:
Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.
E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo.
Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar?
Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde acabar.
Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil?
De outra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores, e pede condições de paz.
Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo.” – Lucas 14:16-33

Por falta de tempo não irei entrar em detalhes sobre esse texto aqui, mas resumindo, o que eu disse a meu colega citando esse trecho da Palavra foi que Jesus convida a muitos, e, infelizmente, muitos dão desculpas esfarrapadas para não aceitá-lo, o convite mais importante da história da humanidade, feita a cada um de nós pelo nosso próprio Criador, o Rei e Soberano do Universo.

Mencionei-lhe o caso daquele que comprou a junta de bois e desejava experimentá-los. Ora, nem hoje e muito menos naquela época alguém faria uma transação como esta sem PRIMEIRO experimentar o que estava comprando, pra verificar, DE ANTEMÃO, se prestariam para o propósito almejado, se não havia nenhum defeito ou vício no contrato, no bem ou no serviço. Desculpa esfarrapada.

Com relação ao casamento, a pessoa poderia levar sua esposa ao evento social, mas preferiu esconder-se atrás das responsabilidades maritais. De fato, de acordo com a lei mosaica, o casamento recente, assim como uma casa recém construída, ou um campo de uvas recém plantadas, eram razões ou escusas válidas para que a pessoa não fosse à guerra quando convocado, para que pudesse, em primeiro lugar, cumprir seu dever conjugal para com sua esposa, e ter a oportunidade de produzir descendência (possível gravidez da esposa); e, em segundo lugar, em relação às outras coisas, desfrutar do fruto do seu trabalho. Escusas razoáveis pertencentes a uma lei justa que reflete os valores de um Deus justo.

“Então os oficiais falarão ao povo, dizendo: Qual é o homem que edificou casa nova e ainda não a consagrou? Vá, e torne-se à sua casa para que porventura não morra na peleja e algum outro a consagre.
E qual é o homem que plantou uma vinha e ainda não a desfrutou? Vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro a desfrute.
E qual é o homem que está desposado com alguma mulher e ainda não a recebeu? Vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro homem a receba.” – Deuteronômio 20:5-7

No tocante ao casamento, é por isso que o solteiro tem tempo suficiente para dedicar-se plenamente aos assuntos do Senhor, cf. 1 Coríntios 7:32-35, enquanto o casado divide-se entre as coisas de Deus e as lutas da vida doméstica, as responsabilidades de marido e mulher um para com o outro, bem como pai e mãe com relação aos seus filhos.

“E bem quisera eu que estivésseis sem cuidado. O solteiro cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor; mas o que é casado cuida das coisas do mundo, em como há de agradar à mulher.
Há diferença entre a mulher casada e a virgem. A solteira cuida das coisas do Senhor para ser santa, tanto no corpo como no espírito; porém, a casada cuida das coisas do mundo, em como há de agradar ao marido.
E digo isto para proveito vosso; não para vos enlaçar, mas para o que é decente e conveniente, para vos unirdes ao Senhor sem distração alguma.” – 1 Coríntios 7:32-35

Mas eis aqui alguém que é superior à Lei, e que é o próprio Deus. Jesus se coloca como acima do casamento, dos bens, do trabalho, do patrimônio e de todas as demais pessoas e coisas desta vida, e nos diz, convida e conclama: segue-Me. Segue-Me hoje! Hoje, como sem falta! Não apresentes tuas desculpas porque nada é suficiente.

Isso foi o que falei com meu colega, que desculpas temos apresentado perante tão valioso convite? Ele nos convida a tudo abandonarmos em favor deste precioso tesouro achado em um campo, cf. Mateus 13:44.

“Também o reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem achou e escondeu; e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo.” – Mateus 13:44

Continuei, dizendo o seguinte: Cristo é de tal maneira que, em obedecendo ao seu convite, e O buscando em primeiro lugar, todas as demais coisas nos são acrescentadas, cf. Mateus 6:33, Ele faz questão de nos abençoar em todas as demais coisas que nossa alma anseia em conformidade à sua vontade, que são muitas vezes coisas boas e úteis da vida, que não serão para uso meramente egoístico nosso, mas que, novamente, vêm em segundo lugar frente o principal, o próprio Cristo.

“Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” – Mateus 6:33

Meu colega, após essas palavras, me disse algo do tipo: “É muito bom seguir os ensinamentos de Jesus”. E eu concordei, mas advertindo: “Sim, é verdade, mas Jesus não se resume aos seus ensinos, porque Ele não era apenas um bom mestre ou professor”…

De fato, e encerrei nossa conversa chamando-o a uma decisão e a uma responsabilidade, em sua época muitos diziam a respeito de Jesus que Ele seria um profeta, um professor, talvez o messias, mas numa conotação política, reducionista daquilo que Ele tinha vindo fazer… Pedro, como sempre, toma a iniciativa entre os discípulos e, quando o Mestre lhes pergunta “E, vós, quem dizeis que eu sou?”, responde “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, algo que nem ele mesmo, humanamente falando, tinha a real compreensão do que significava, e que, por essa mesma razão, Jesus afirma “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus”, ou seja, que aquela verdade espiritual lhe havia sido revelada pelo próprio Deus, mesmo que suas repercussões só fossem plenamente entendidas tempos depois.

“E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem?
E eles disseram: Uns, João o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas.
Disse-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou?
E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus.” – Mateus 16:13-17

A verdade é que damos desculpas bem mixurucas para assuntos sérios pelas razões as mais diversas possíveis que resultam da nossa dificuldade de tomarmos uma decisão, uma postura, e nos comprometermos com as coisas que deveríamos estar fazendo envolvendo a vida profissional – nossa carreira, a vida sentimental – nosso casamento e família, e tantos outros aspectos como saúde, finanças, enfim, mas, principalmente, a nossa vida espiritual, a nossa caminhada com Deus e a eternidade.

E então, depois de todas essas coisas, a ele (meu colega), a mim e a vocês, fica a pergunta e o desafio para reflexão: será que temos dado desculpas esfarrapadas à convocação feita por Jesus?

Ele não quer mais saber de nossas desculpas…!

A minha oração hoje é para que tenhamos coragem de, refletidamente, deixarmos tudo que nos atrapalha, desvia nosso foco, aprisiona, e, passemos a segui-lo sem reservas e sem desculpas ainda hoje.

Deus nos abençoe.

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