Fichamento do Capítulo 6 do livro Perspectivas Sociológicas

Último post da série sobre os trabalhos de Sociologia.

Fichamento do Capítulo 6 do livro Perspectivas Sociológicas. BERGER, P. L. Petrópolis, Vozes, 1976.

Este capítulo começa com uma discussão sobre a liberdade. A liberdade, embora “possa ser por nós experimentada como uma certeza, juntamente com outras certezas empíricas, não é passível de demonstração por quaisquer métodos científicos” (pg. 137, 2º §), e não pode ser demonstrada pela razão, segundo Kant. A discussão prossegue afirmando que a liberdade e a causalidade não são opostos lógicos, apenas não possuem referência comum, não podendo se estabelecer a realidade de uma através da demonstração da realidade da outra. Nesse sentido, o autor destaca a problemática das ciências sociais em tentar analisar um fato social buscando-se as causas originadoras, e sendo impossível assim perceber ou se chegar à liberdade usando os métodos tradicionais de análise científica. Para fechar o argumento inicial, o autor afirma que não pretende ater-se ao cientificismo que exclui a liberdade da discussão, e prefere seguir outro rumo, propondo, dentro do modelo de existência humana segundo a ótica da perspectiva sociológica, que os controles sociais não são tão infalíveis como leva a crer os capítulos anteriores, e em segundo lugar, ele muda o próprio ponto de referência, do método científico estrito àquele mais geral que admite a realidade como pano de fundo para os fatos sociais.

Iniciando o ponto um, o autor argumenta que visto que a nossa própria cooperação é necessária para levar-nos às prisões sociais, na maioria dos casos, as pressões internas ou externas da sociedade são co-definidas por nós mesmos. Continua citando Durkheim, o qual ressalta as características extrínsecas e materiais da realidade social, em comparação à Weber, que leva em consideração questões de caráter subjetivo, o que é particularmente importante nesse caso, onde mesmo os atores agindo de uma maneira determinada, o resultado pode sair bastante diferente do esperado. Segundo essa concepção, por exemplo, um indivíduo de comportamento dissonante poderá viver à margem da sociedade, mas continuará vivendo, o que demonstra falhas no processo coercitivo já visto. Além disso, podem ocorrer casos onde o conjunto de opiniões discordantes passa a se avolumar e confluir em um grupo significativo de pessoas, onde pelo menos nesse grupo essa discordância será levada em consideração.

É então analisado o fenômeno do carisma, pelo qual esse processo de dissonância pode levar a substituição dos pressupostos por novas concepções e interpretações da realidade. É interessante notar, como continua o autor citando Weber, que os movimentos carismáticos possuem caráter transitório, onde a radical ruptura original passa a se reintegrar com a sociedade, assumindo um caráter mais moderado, e com o ressurgimento dos antigos valores. Essa discussão demonstra ainda que as mudanças ocorrem, ainda que não obtenham os resultados originalmente propostos, que os resultados levem tempo para serem vistos, e que mesmo tentativas de contra-reformas normalmente não são bem sucedidas, o que se resume e deve-se à possibilidade de “retirarmos nossa cooperação com a História”.

Com base no exemplo citado, podemos entender as sociedades manifestam mecanismos de controle que foram criados por homens, e modificados, ainda hoje, por homens. Nesse sentido, as visões de Durkheim e Weber não se contradizem, apenas se opõem por refletirem diferentes interpretações de aspectos diversos da realidade. Nisso se constitui o aparente paradoxo da existência humana, onde a sociedade que nos define é ao mesmo tempo definida por nós.

“Segue-se então que os sistemas de controle têm necessidade constante de confirmação e reconfirmação por parte dos controlados” (pg. 145, continuação do § anterior). É possível ir contra esse processo de várias formas, dentre as quais destacam-se a transformação, o alheamento e a manipulação.

Na transformação, cabe ressaltar a importância do não reconhecimento e da contra definição das normas sociais. O alheamento consiste, caso não seja possível a transformação social, no apartamento da mesma. Assim, caso várias pessoas concordem na saída do meio social, criando uma verdadeira contracultura, ou submundo, a carga emocional desse distanciamento poderá ser minimizada. Nesse sentido, “a anonimidade e liberdade de movimento da moderna vida urbana facilitam bastante a construção de tais submundos” (pg. 148, 1º §). A manipulação, por sua vez, não tenta transformar, nem ainda fugir dos controles, mas usar o sistema contra ele mesmo, ou seja, distorcer as normas vigentes de maneiras inusitadas, inesperadas pelos seus “operadores de direito”, como por exemplo um preso que trabalha na lavanderia do presídio e usa as máquinas de lavar para uso pessoal, lavando sua própria roupa suja, no exemplo citado.

Além disso, Goffman criou um conceito semelhante aos acima, de “distanciamento do papel”, onde os papéis sociais que desempenhamos passam a ser vividos de maneira intencionalmente fraudulenta, ou seja, o ator social conscientemente delibera por interpretar o papel, mas procura dissociar-se mentalmente daquilo que ele representa, o que foge do normal social, onde os papéis são vividos sem reflexão, de maneira automática.

O autor apresenta então o conceito de “êxtase”, que trata-se não de algo místico, mas de dar um passo para fora, sair, das rotinas normais da sociedade, o que reflete-se, por exemplo, no processo de alheamento já discutido. “Em outras palavras, o ‘êxtase’ transforma a consciência que se tem da sociedade, fazendo com que determinação se converta em possibilidade” (pg. 152, 1º §). Assim, o que antes é algo apenas mental, tende a tornar-se ação, o que é deveras perigoso do ponto de vista dos guardiões oficiais da ordem.

Vemos então que existem certos tipos de treinamento e atividades que são capazes de levar a esse “êxtase”, ocorrendo com mais freqüência, por exemplo, em culturas urbanas comparativamente às rurais, e nesta, nas culturas periféricas mais do que nas centrais. A localização social do fenômeno indica que para que haja a revolta social, é preciso que algo seja preexistente, ou seja, toda libertação de papéis sociais ocorre nos limites impostos anteriormente pela mesma sociedade.

Todo esse pano de fundo foi utilizado pelo autor para se chegar a uma terceira via que representa a sociedade não como uma prisão ou teatro de fantoches como definido em capítulos anteriores, a qual corresponde a um palco com atores vivos, o que não substitui os conceitos anteriores, apenas acrescenta aos mesmos as opções que possuímos a todo o contexto que nos cerca. “Se a realidade social é criada por convenções, certamente poderá também ser modificada por convenções. Assim, o modelo teatral nos abre uma saída do rígido determinismo para o qual o pensamento sociológico nos levara de início” (pg. 154, 1º §).

A teoria de sensibilidade do sociólogo alemão Georg Simmel é apresentada, a qual argumenta que a sociabilidade é a forma lúdica de interação social, demonstrada facilmente numa festa, onde as situações sociais corriqueiras despem-se de seus formalismos. Essa teoria encontra respaldo no contexto estudado na medida em que comparamos o processo de aprendizado do ser social em geral com a simulação que ela proporciona. Vemos assim que há uma ligação entre “as graças sociais” e as habilidade sociais em geral, sendo que as últimas normalmente são aprendidas através das primeiras.

Continuando, o autor examina a teoria das instituições de Gehlen, segundo o qual as instituições são meios de canalização da conduta humana, semelhantes aos instintos para os animais, somente com a diferença em que o animal, se refletisse sobre seus instintos chegaria à conclusão de que obedece por que não tem escolha, o que seria verdade, enquanto o homem se engana ao afirmar o mesmo, sendo que ele tem essa opção, ainda que as conseqüências lhe limitem nesse sentido.

A seguir vemos o conceito de má fé por Jean-Paul Sartre, onde diferentemente do senso comum, ela é definida como “simular que alguma coisa é necessária, quando na verdade é voluntária” (pg. 159, continuação do § anterior), o que no contexto sociológico significa que a simples possibilidade da sua existência implica no reconhecimento da liberdade humana, onde o homem é livre e por meio da “má fé” busca esse escapismo. Assim, novamente trazendo à realidade sociológica, os papéis que a sociedade nos apresenta trazem consigo cada um a oportunidade e possibilidade de desculpa por meio desse instituto, uma vez que ao homem sempre cabe a livre escolha do escape.

Na verdade, segundo o autor, a má fé é usada em sentido mais amplo para proporcionar ao indivíduo um mecanismo através do qual ele pode ocultar a si mesmo sua própria liberdade. No entanto, como segue, o que sugeriria uma conspiração, não é mais do que uma expressão da possibilidade da própria liberdade. Assim, toda instituição social pode servir como instrumento de alienação da liberdade coletiva, mas também é um escudo que protege as próprias ações do homem livre.

É descrito a seguir o conceito de homem não enquanto indivíduo mas enquanto ser coletivo e impessoal, descrito no alemão “das Man”, conceito oriundo do sistema de pensamento de Heidegger, onde essa generalidade esconde do homem os terrores que teria que enfrentar como indivíduo. Sobre isso o autor fala: “sob o aspecto de ‘má fé’, vimos a sociedade como um mecanismo para fornecer álibis que eximam uma pessoa de alcançar a liberdade. Sob o aspecto do Man, vimos a sociedade como uma defesa contra o terror. A sociedade nos oferece estruturas consideradas óbvias […] dentro das quais, enquanto seguirmos as regras, estamos protegidos dos terrores de nossa condição.” (pg. 163, 1º §), e conclui afirmando que essas estruturas nos fornecem rotinas e rituais pelos quais esses terrores são organizados de maneira tal que possamos enfrentá-los calmamente. Esse Man constitui-se, em última análise e segundo o autor, em uma conspiração visando levar-nos a viver nossas vidas de maneira inautêntica, ainda que essa fraudulência seja o que nos dá sentido à vida.

Concluindo o autor traz novamente o conceito de “êxtase”, segundo o qual é o ato de sair à noite do homem social, viva ele uma vida considerada autêntica ou não. No entanto, a liberdade desse homem pressupõe uma liberação de consciência, de maneira que as possibilidades de liberdade sejam percebidas para além do “mundo aprovado” descrito pelo autor e definido pela sociedade como única solução possível.

Fichamento do Capítulo 5 do livro Perspectivas Sociológicas

Continuando o post anterior, segue o fichamento do capítulo 5 do livro de Peter Berger, segundo trabalho da disciplina de Introdução a Sociologia II da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, guardadas as mesmas recomendações que fiz anteriormente.

Fichamento do Capítulo 5 do livro Perspectivas Sociológicas. BERGER, P. L. Petrópolis, Vozes, 1976.

O autor inicia o capítulo fazendo menção ao capítulo anterior no qual vimos os sistemas de controle social, cuja abordagem leva a crer num antagonismo entre o indivíduo e a sociedade, no qual a sociedade exerce pressão e coage o indivíduo. No entanto, nem sempre esse jugo parece suave porque muitas vezes nós mesmos desejamos aquilo que a sociedade espera de nós. Nas palavras do autor, “a sociedade determina não só o que fazemos, como também o que somos” (pg. 107, continuação do § anterior). Como explicação para esse comportamento, o autor sugere três áreas de interpretação, conhecidas como a teoria do papel, a sociologia do conhecimento e a teoria do grupo de referência.

A teoria do papel, criação intelectual praticamente toda americana, afirma que cada situação apresenta expectativas específicas a um indivíduo, onde o papel, ou seja, “uma resposta tipificada a uma expectativa tipificada” (pg. 108, 1º §), oferece os padrões que devem ser seguidos pelas pessoas nas diversas situações, implicando em ações, emoções e atitudes a eles relacionadas. Cabe ressaltar que na maioria das vezes essas implicações vêm naturalmente, inconscientemente, e não propositada ou refletidamente. Os papéis têm sua disciplina interior, dando forma e construindo tanto a ação quanto o ator, e acarretam em certa identidade. Essas identidades, por sua vez, e os papéis que as definem, podem ser de fácil mobilidade, como também quase impossível mudança. Concluindo, o autor afirma que “o significado da teoria do papel poderia ser sintetizado dizendo-se que, numa perspectiva sociológica, a identidade é atribuída socialmente, sustentada socialmente e transformada socialmente” (pg. 112, 1º §).

Sendo assim, a identidade precisa que a mesma sociedade que a define, lhe dê sustentação, pois um papel não faz sentido sem o contexto que o respalde. “Em termos sucintos, todo ato de ligação social resulta numa escolha de identidade. Inversamente, toda identidade exige ligações sociais específicas para sua sobrevivência” (pg. 115, 1º §). Contextualizando o que foi visto até aqui com o capítulo anterior, cada indivíduo está localizado na sociedade dentro de sistemas de controle social, onde cada um deles proporciona a geração de identidades.

Voltando à questão das expectativas, sob a ótica da perspectiva sociológica do caráter da identidade, vemos que “o pré-julgamento afeta não só o destino externo da vítima nas mãos de seus opressores, mas também sua própria consciência, na medida em que ela é moldada pelas expectativas da sociedade” (pg. 116, 1º §). O autor menciona então o fato de que a transformação da identidade é um processo social, e cita como exemplo de situações onde isso ocorre a educação religiosa e a psicanálise, e nessa última ainda a terapia de grupo, onde as pressões do grupo levam o indivíduo a aceitar a nova imagem que lhe é imposta.

Ainda em confronto da teoria dos papéis com os sistemas de controle, Hans Gerth e C. Wright Mills cunham o termo “seleção de pessoas”, no sentido de que “toda estrutura social seleciona as pessoas de que necessita para seu funcionamento e elimina aquelas que de uma maneira ou de outra não servem” (p. 124, continuação do § anterior). Nesse sentido, nem sempre as pessoas necessárias para o funcionamento de uma sociedade estão disponíveis e devem ser “fabricadas”, ou seja, adequadas aos papéis existentes e necessários.

Em segundo lugar, vemos como opção à teoria dos papeis, a sociologia do conhecimento, esta de origem européia, a qual trata da localização social das idéias. Essa teoria “rejeita a idéia de que o pensamento ocorra isolado do contexto social dentro do qual determinados homens pensam sobre determinadas coisas” (pg. 125, 1º §). Assim, “falamos que existe uma ideologia quando uma certa idéia atende a um interesse da sociedade” (pg. 126, 1º §), as quais (as ideologias) podem legitimar as atividades dessa sociedade, tanto justificando as ações desse grupo, como ainda interpreta a realidade de modo a tornar aceitável essa justificativa.

Posteriormente o autor faz menção à religião como um localizador social, vez que ela pode ser utilizada para a legitimação da autoridade política e ainda para o abrandamento de rebeliões sociais. Além disso, a sociologia pode ser empregada nesse contexto para estudar a relação entre a fé de uma pessoa e sua renda, por exemplo, onde a convicção de uma pessoa poderá inclusive abrir-lhe oportunidades profissionais.

Outra contribuição americana é a teoria do grupo de referência, que permite uma conexão entre a teoria dos papéis e a sociologia do conhecimento. Um grupo de referência “é a coletividade cujas opiniões, convicções e rumos de ação são decisivos para a formação de nossas próprias opiniões, convicções e rumos de ação” (pg. 133, 1º §), o qual nos fornece um modelo através do qual podemos nos comparar continuamente. Nesse sentido, “a escolha de grupo trará consigo também um conjunto de símbolos intelectuais, os quais seria conveniente exibir com um ar de fidelidade” (pg. 134, continuação do § anterior), o que demonstra ainda que pertencer ou deixar de pertencer a um grupo em particular normalmente necessita de compromissos específicos, o que define o lugar do mundo social escolhido para se viver.

Concluindo, o autor relembra que, assim como no capítulo anterior ele demonstra a imagem da sociedade atuando no homem, neste capítulo ele faz de maneira inversa, ou seja, a imagem do homem que atua na sociedade. Nesse sentido, é impróprio afirmar que a sociedade enjaula o homem, já que o homem por sua vez sustenta as barras que o encarceram. Assim, “uma imagem mais adequada da realidade social seria agora a de um teatro de fantoches, com a cortina se levantando e revelando as marionetes saltando nas extremidades de seus fios invisíveis, representando animadamente os pequenos papéis que lhe foram atribuídos na tragicomédia a ser encenada” (pg. 136, continuação do § anterior), embora haja uma diferença considerável entre o ator do teatro e o da vida, no qual o primeiro é desprovido de vontade e consciência, enquanto o último deseja o destino que o aguarda no cenário da vida.

Fichamento do Capítulo 4 do livro Perspectivas Sociológicas

Apesar de esse ter sido o primeiro trabalho entregue na faculdade que estou cursando, resolvi colocá-lo no ar só agora, juntamente com os dois outros capítulos que fiz o fichamento, para evitar cópias, e que o professor não viesse porventura a pensar que eu peguei na net (o que não fiz nem faço).

A propósito, como é o fichamento de uma obra, ative-me a isso mesmo, sendo que as opiniões aqui presentes são as do autor, Peter Berger, e não as minhas (salvo o meu próprio entendimento do que ele quis dizer). Aliás, sinceramente, não concordo com tudo que ele expõe, mas não vou entrar no mérito de dizer o que não concordo.

Por último, avaliando posteriormente meus resumos, durante meus estudos para a prova de amanhã, percebi alguns erros de português, que espero que me perdoem, mas não irei corrigi-los para não me tomar mais tempo, e para não mudar a originalidade do trabalho que foi entregue. Nisso também se encaixa o tamanho dos parágrafos, maior do que o que costumo fazer e que vai contra as normas da boa redação, cuja desculpa é pelo limite de quatro páginas imposto pelo professor ao trabalho.

Fichamento do Capítulo 4 do livro Perspectivas Sociológicas. BERGER, P. L. Petrópolis, Vozes, 1976.

A mudança da interpretação da realidade do espaço geográfico que nos cerca, processo desenvolvido durante a infância, onde um mero endereço passa a servir como paradigma para essa transição, legitimando na criança a “cosmovisão adulta” (pg. 78, 1º §). O endereço passa a ser tratado em seguida apenas como um elemento de atribuição de coordenadas a uma pessoa, limitando-a geograficamente, tanto como os demais conhecimentos que adquirimos irão fazer conosco durante o nosso crescimento. Como bem diz o autor, “O adulto normal é aquele que vive dentro das coordenadas que lhe foram atribuídas” (pg. 79, continuação do § anterior). “Aquilo a que se chama consenso geral é na verdade o mundo dos adultos aceito como óbvio” (pg. 79, 1º§). Essa descrição sumariza a idéia do autor, que defende que as coordenadas que nos são atribuídas no meio “geográfico”/social são determinantes para o que podemos ou não fazer, em que contexto estamos inseridos, e que, estando em sociedade, corremos riscos ao ignorar ou desobedecer as regras, ou coordenadas que definem nossa localização. Esse pensamento segue no parágrafo subseqüente, onde o autor afirma ainda que “as coordenadas básicas dentro das quais se pode mover e tomar decisões ainda terão sido traçadas por outros, na maioria estranhos, muitos deles mortos, há muito tempo” (pg. 80, continuação do § anterior), idéia transcrita na análise de como pessoas de classe mais baixa fazem uso do pronome “eles”.

A seguir o autor cita duas áreas de investigação pelas quais ele irá defender sua tese descrita anteriormente, sendo elas o controle social e a estratificação social. O controle social ‘refere-se aos vários meios usados por uma sociedade para “enquadrar” seus membros recalcitrantes’ (pg. 81, 1º §), sendo que “os métodos de controle variam de acordo com a finalidade e o caráter do grupo em questão” (pg. 81, 1º §). O autor então discorre sobre os métodos de controle social, sendo o primeiro e mais antigo o emprego da violência física, especialmente demonstrada pelo Estado através de sua força policial o que é, inclusive, caracterizada como sustentáculo da ordem política, qualquer que seja ela. Continua dizendo que “em qualquer sociedade normal a violência é utilizada com parcimônia e como último recurso e a mera ameaça dessa violência final basta para o exercício cotidiano do controle social” (pg. 83, continuação do § anterior). De fato, o autor mesmo afirma que o uso constante da violência é além de impraticável, ineficiente naquilo a que se propõe, pois se a mera presença da força já possui influência inibidora, o seu excesso retira não só a legitimidade, mas o efeito psicológico que deveria ter na sociedade. Em segundo lugar, o autor apresenta os instrumentos subviolentos de controle social, dentre os quais são mencionados os controles políticos e legais, e ainda os econômicos, sendo ao último dado o maior enfoque devido ao poder de coerção que este proporciona, em destaque as utilizações de sansões econômicas nas igrejas e universidades. Outros mecanismos de controle social são apresentados, os quais são a persuasão, o ridículo, a difamação e o opróbrio. É citada então a maneira com que uma opinião dissidente chega a um meio termo de consenso através da persuasão, como no exemplo dado dos canibais exercendo pressão sobre um não canibal. Nesse sentido, “o que jaz no fundo dessa pressão aparentemente inevitável no sentido de um consenso será provavelmente um profundo desejo humano de ser aceito” (pg. 85, continuação do § anterior), o que normalmente é alvo de manipulação por diversos grupos de pessoas. O ridículo e a difamação são outros mecanismos de controle, particularmente eficientes quando empregados sobre crianças, ou em pequenas comunidades como ilustrado no texto, onde a fofoca é praticamente essencial para os relacionamentos neste tipo de convívio social, na medida em que corresponde à mais comum forma de comunicação. Por último temos como forma de controle social o ostracismo, no qual um indivíduo que quebra uma determinada regra é rejeitado, passando a ser solenemente ignorado. “Um dos aspectos do controle social que deve ser salientado” (pg. 86, 1º §), segundo o autor, “é o fato de se basear freqüentemente em afirmações fraudulentas” (pg. 86, 1º §).

Podemos considerar que estamos no centro de um conjunto de círculos concêntricos, conforme o autor menciona a seguir, onde cada círculo representa um sistema de controle social, quais sejam o sistema social e político sob o qual vivemos, que nos cobra os impostos e nos condiciona a determinadas obrigações; a moralidade, costumes e convenções, cujas sanções variam desde a perda do emprego até a definição de uma pessoa como louca, como no exemplo dado; a ocupação escolhida por uma pessoa, que lhe impõe diversos controles, como associações profissionais e sindicatos, no lado mais formal, e outros mais informais, impostos pelos próprios colegas de trabalho. Esse último círculo é tão importante que “todo papel ocupacional na sociedade, até mesmo em empregos muito humildes, traz consigo um código de conduta que não pode ser violado impunemente” (pg. 89, continuação do § anterior), pois “a obediência a esse código é tão essencial para a carreira de uma pessoa quanto a competência técnica ou a educação” (pg. 89, continuação do § anterior). Conquanto o controle social do sistema ocupacional seja importante porque dele depende de uma maneira ou de outra as demais áreas da vida humana, os códigos a que uma pessoa se obriga a conformar nesse caso podem valer para outros, como “maneiras de vestir, linguagem, gosto estético, convicções políticas e religiosas, ou simplesmente maneiras à mesa” (pg. 89, 1º §). Por fim, conclui o autor que o círculo final é o da família e dos amigos pessoais, uma vez que “é nesse círculo que se encontram normalmente os laços sociais mais importantes de um indivíduo” (pg. 89, 2º §), no qual os mecanismos de controle são ainda mais sentidos visto que fugir a eles significa em último caso arriscar a destruição da própria auto-imagem do homem.

O autor passa então à análise da estratificação social de maneira a elucidar o pleno significado da localização na sociedade, ou seja, toda sociedade obedece a um sistema de hierarquia, onde determinados estratos sociais encontram-se acima ou abaixo de outros. Nesse sentido, “o tipo de estratificação mais importante na sociedade ocidental contemporânea é o sistema de classes” (pg. 92, 1º §), tipo no qual a posição de uma pessoa é determinada pelo fator econômico, de alta mobilidade social, e que, conforme Weber, gera expectativas quanto às possibilidades, ou oportunidades uma pessoa terá na sociedade, a começar pelo nível de educação recebido, entre outras. A partir dessa análise, a conclusão lógica é que indivíduos em classes diferentes vivem quantitativa e qualitativamente de maneira diferente, a partir do que se pode inferir as diversas características dos mesmos, como estilo musical, linguagem empregada etc. O impacto experimentado, então, por pessoas de classes diferentes do que o ambiente social que deseja freqüentar será determinado pelos mecanismos de controle já vistos. Continuando o pensamento anterior, cabe citar o peso da influência extrínseca para adequar-se ao padrão da classe a que pertence um indivíduo, visto que “cada ambiente de classe forma a personalidade de seus membros através de inumeráveis influências que começam ao nascimento e que se estendem até a formatura do curso secundário ou ao reformatório, conforme o caso” (pg. 95, continuação do § anterior).

Em sobreposição ao sistema de classes, há outros sistemas de estratificação, que “determinam de maneira muito mais severa toda a vida do indivíduo” (pg. 96, 1º §), como o sistema racial na sociedade americana, por exemplo, o que, neste caso, implica a completa ausência de mobilidade social, com o agravante de, no caso do homem negro, ver reduzidas as possibilidades existentes devido à classe econômica que já ocupa. Nesse sistema, até a interação entre pessoas de cor de pele diferentes poderia levar ao ostracismo de um, no caso do homem branco, ou a punição física no caso do negro.

A seguir vemos que o controle que a localização social determina na nossa vida não é eliminado apesar do desmoronamento das idéias que lhe sustentam. Nesse sentido, é importante salientar que os controles estabelecidos pelos nossos antepassados são de mais difícil contestação do que os presentes. Isso é sentido inclusive com o estreitamento das oportunidades que um indivíduo tem, e criação de diversas limitações às escolhas, citando-se como exemplo o caso do casamento, onde tudo, desde a escolha do cônjuge, passando pelos parâmetros de interação social entre os namorados, até o ritual em si foram pré-definidos pelo contexto histórico que os precede. Com efeito, ‘quase sempre, o jogo já foi “arrumado” muito antes de entrarmos em cena’ (pg. 100, 1º §), nos restando apenas realizar o papel que nos cabe conforme o roteiro pré-definido.

Chegamos então a uma definição do que seria uma instituição, ou seja, “um complexo específico de ações sociais” (pg. 100, 2º §), ou ainda um órgão regulador das ações humanas, como definido pelo sociólogo alemão Arnold Gehlen. A partir desse conceito, destaca-se a diferença entre instituição, como o casamento do exemplo anterior, e o instinto, como um gato que persegue um rato. “A estrutura institucional da sociedade proporciona a tipologia para nossas ações” (pg. 103, continuação do § anterior), ou seja, determina os padrões de comportamento e relacionamento que são concebidos como aceitáveis, excluindo aqueles que inclusive o próprio instinto poderia sugerir, e com o poder de tornar inconscientes e inescusáveis seus imperativos. Nesse sentido, o imperativo institucional é falacioso porque não é o único existente, diferentemente do instinto, para o qual não há escolha.

Concluindo, as considerações apresentadas até aqui sugerem uma visão de sociedade aprisionadora, reificadora, e como exemplo disso temos a instituição social denominada lei. Durkheim afirma que a sociedade se manifesta como um fato objetivo, e que nos é externa, ou seja, nos circunda e limita, coercitivamente através de suas instituições que moldam nossas ações e nossas expectativas, constituindo-se nas “paredes de nosso encarceramento na história” (pg. 105).

Primeira nota do Direito

Estou em época de provas na faculdade.

Sexta passada fiz prova de Ciência Política, ontem tive um seminário para apresentar com minha equipe na disciplina de Antropologia, hoje tenho prova de Teoria do Direito e quinta feira prova de Sociologia.

Após o seminário de ontem, como a professora vai embora e será substituída, ela resolveu dar as notas das equipes que já foram avaliadas, sendo a minha a última, e então saiu a minha primeira nota, 9,5!

Fiquei super satisfeito, e até certo ponto surpreso porque me achei particularmente nervoso (culpa do bendito Propanolol que não funcionou – mal sabia eu da interação medicamentosa com um remédio para gripe [não, não é a suína] que estou tomando), e a professora costuma ser rigorosa em suas ponderações.

Agradeço a Deus por essa vitória, espero que continue me ajudando a passar em todas, preferencialmente sem ir para a final em nenhuma, e acima de tudo a aprender o que estou me propondo a estudar.

Lembro-me de que quando cursei Informática fui para a final em pelo menos uma disciplina em todos os semestres (apesar que do meio para o fim do curso, a final passou a ser uma espécie de terceiro período, sendo obrigatório para todos os alunos, independente de média anterior), o que me causou uma certa frustração.

Está certo que pelo menos na minha opinião estou estudando bem mais do que naquela época. Pode-se dizer que é a voz da experiência falando, talvez, mas é estranho ver que tenho três vezes mais matéria para estudar, e diferentemente da Informática, que é uma área das ciências exatas, e o Direito é uma ciência social, então os parâmetros são bem menos cartesianos e mais interpretativos, e então tenho que dar um gás bem maior para, senão apreender tudo, pelo menos ter uma noção geral do que os textos tratam.

É uma pena que minha memória seja tão ruim para algumas coisas, especialmente decorar…

A questão da imortalidade

Desde o princípio dos tempos, ou pelo menos desde que o homem pensa, ou seja, é homem, a questão da morte aflige o ser humano. Saber qual a sensação física da morte, se algo nos espera depois dela, ou se a vida acaba aqui mesmo, é algo com implicações nas diversas áreas da vida, especialmente no campo da ética e da religião.

Alguém pode crer que não haja vida após a morte e que, portanto, deve “curtir” a vida atual ao seu máximo, experimentando tudo que puder, de bom ou de ruim, pois, afinal, não dá contas da sua própria vida a ninguém e de nada depende seu futuro. Isso pode ser bom, a partir do momento que deixamos de nos preocupar com coisas de menor relevância e que tiram nosso sono no dia a dia, mas pode ser mau, se essa determinada pessoa passa a ignorar tudo que lhe cerca, especialmente os sentimentos alheios, não olhando se a sua ética pessoal é adequada à vida social, isso se é que possui alguma ética pessoal.

Sócrates já analisava essa questão cerca de 500 anos antes de Cristo, dizendo que preferia morrer ao renunciar sua ética, seus valores, chegando ao ponto de exaltar tanto a morte, a qual possuiria segundo ele atributos tais que, comparados à vida, torna-la-ia uma melhor experiência do que esta última. A morte, segundo Sócrates, trazia-nos à presença dos entes queridos que um dia se foram, e nos levaria a um lugar melhor. Na verdade, ainda segundo ele, era preferível a dúvida de algo incerto, que poderia ser bom ou ruim, a desconhecida morte, do que a certeza de algo ruim, a vida medíocre e limitada que viviam seus contemporâneos.

A filosofia discutiu (e ainda o faz) bastante esse tema, e as religiões não seriam diferentes. As religiões normalmente pregam que a vida não se resume à nossa existência terrena, mas propaga-se para o além. “O que fazemos aqui ecoa para a eternidade”, célebre frase de um filme hollywoodiano, expressa muito bem essa idéia, de que o que fazemos aqui tem impacto que levará a um fim A ou B na nossa vida póstuma.

Sobre a questão da imortalidade, a Bíblia fala que fomos criados seres eternos, imortais, à imagem e semelhança do Deus eterno que nos criou. Assim diz, por exemplo, Romanos 5:12 “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”, ou seja, antes do pecado não havia morte, ninguém (quem quer que fosse, Adão e Eva) teria morrido.

Muitos crêem que a imortalidade se dá através de múltiplas e sucessivas reencarnações, onde a alma (ou espírito), voltaria a este plano material em um novo corpo. Para os que assim acreditam, no geral (embora existam diferentes crenças a respeito), as vidas aqui nesta terra proporcionam uma oportunidade da pessoa caminhar em direção a uma vida mais digna, mais honrada, purgando assim seus pecados pregressos e preparando-se para atingir a perfeição espiritual. Assim, nessa roda cósmica e kármica, a alma humana está presa a um destino de girar entre tantas reencarnações e vidas quanto forem necessárias à sua purificação, e após atingir a perfeição, para alguns, chega-se ao Nirvana, ao céu, um lugar de descanso e paz.

Não vou discorrer teologicamente, segundo minha crença, sobre o que a reencarnação representa para o cristianismo. São conceitos conflitantes e que não se encontram, apesar das afirmações contrárias de grupos espíritas. Basta citar, como um de vários versículos bíblicos, o texto de Hebreus 9:27 que diz “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo”, o que torna impossível a reencarnação pois, logicamente, como alguém que só pode morrer uma única vez poderia reencarnar, abrindo a possibilidade de morrer duas, três, quatro ou tantas vezes mais quanto seu karma determinasse ou precisasse?

Vimos na faculdade em uma aula de Filosofia que a professora trouxe à tona uma possível resposta da ciência para essa questão, digo, da imortalidade, mas a imortalidade do corpo, em um exercício de futurologia, onde as descobertas no âmbito da genética propiciariam ao homem prolongar sua vida, substituindo os órgãos que fossem falhando por outros clonados, por exemplo, e quando não fosse possível sustentar a vida humana após isso tudo, far-se-ía o descarregamento do intelecto, da alma humana, para um computador, onde a existência em meio digital se perpetuaria a partir dali, e, posteriormente, até haveria a possibilidade de retorno, ou upload dessa alma para outro corpo novinho em folha, recém clonado.

Eu acho que a ciência caminha a passos largos para o aumento da longevidade humana. Creio mesmo que daqui a cinqüenta anos as pessoas poderão alcançar e até ultrapassar facilmente os cem anos. Mas daí a aceitar que a nossa mente será baixada como um arquivo da Internet para um dispositivo de armazenamento computacional, como um backup, e depois ser restaurado para outro corpo, que serviria como um mero repositório, são outros quinhentos. Seria abdicar de que o corpo é apenas um dos componentes do ser humano, facetado ainda em alma e espírito, os quais não são contidos por essa carne, essa massa que os cientistas querem substituir, consertar.

Novamente voltamos à questão da imortalidade. Livros foram escritos sobre o tema, e até filmes famosos, tem um que gosto muito chamado Highlander. Esse é um tema que volta e meia traz preocupação ao homem, especialmente quando ele enfrenta uma situação de risco à sua vida, ou quando se acerca da morte, sendo comum pensar se sua vida se encerra naquele momento, se haveria algum lugar para onde ir depois dali, se pode confiar em alguma coisa, se há algo para esperar.

Eu, particularmente, não conseguiria imaginar minha vida sem saber para onde vou depois da morte. Diferentemente de Sócrates, que afirmava não ser possível saber o que viria após a vida, senão apenas especulações positivas, creio no que a Bíblia afirma, ou seja, que a vida aqui é só um prenúncio do que há por vir após a morte. A vida para quem pensa de maneira diferente passa a não ter nenhum sentido, senão o mais imediato e passional possível. Desculpem-me quem acha que viver assim é uma decisão racional.

Não é apenas baseada na minha fé em Deus, minha crença nas palavras da Bíblia, ou nas minhas experiências pessoais, inúmeras, com esse Pai amoroso que me criou, que acredito que existe um lugar melhor no qual podemos ter esperança de irmos um dia após a nossa morte. Essa esperança dá um novo sentido à vida, é verdade, mas não é somente fundados em uma esperança que atingimos a imortalidade.

Há um sem número de versículos bíblicos que sustentam a tese de que há vida após a morte. Aqui vale uma distinção, que não pretendo me prolongar no momento, de que esta vida após a morte não é para todos, e que para os demais (aqueles que não terão esta vida) o que lhes espera é um destino bem diferente, chamado pela Bíblia como morte eterna, ou segunda morte, entre outras denominações. A vida eterna, segundo a Bíblia, não se obtém comprando, vivendo uma vida piedosa (apesar de isso ser bom), ou aliás, sendo bom de qualquer maneira. A imortalidade não é uma mercadoria pela qual possamos pagar com nossas boas ações, caridade, ética, ainda que isso tudo seja importante.

A vida eterna que a Bíblia nos oferece como resposta, como solução, tem a ver com uma única ação do homem em resposta a uma conjuntura oferecida por Deus. Todos somos pecadores, e por isso todos morremos, como tem no primeiro versículo que citei. Esse pecado trouxe a morte física, mas trouxe também a realidade da segunda morte, a morte espiritual, que não é apenas cessar de existir, mas um padecimento como nunca alguém experimentou antes. Há um versículo que fala “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:23). Assim temos a resposta para duas perguntas, a origem da morte, ou seja, o próprio pecado, mas o escape para essa morte, a vida eterna dada gratuitamente por Deus aos homens que receberem seu filho Jesus como Senhor e Salvador de suas vidas.

É uma resposta aparentemente simples. Na verdade é tão simples que chega a ser incômoda. “Como assim, não preciso fazer nada para alcançar a vida eterna?” ou ainda “Como assim eu conseguirei a imortalidade de graça?” são perguntas normais frente a essa resposta. Se eu continuar nessa linha de raciocínio, o post se prolongará mais do que quero, e desde já me coloco para tentar responder, à luz da Palavra de Deus, as perguntas que porventura alguém me desejar fazer (não prometo toda e qualquer resposta de imediato, porque, admito, não sei tudo sobre a vida, filosofia ou mesmo a bíblia, mas farei o possível para procurar se não souber). A Bíblia ressalta como o sacrifício de Jesus na cruz foi perfeito, ou seja, suficiente para pagar o preço do nosso pecado. Disso temos que não precisamos fazer mais nada a não ser aceitar esse sacrifício, essa oferta que o próprio Deus nos oferece.

A questão da imortalidade, pelo menos para mim, deixa de ser um problema, uma aflição, uma vez que tenho essa perspectiva em mente. Como será a vida após esta que vivo eu não sei com certeza embora a própria Palavra de Deus dê alguns indícios. Sei que, pelo menos para aqueles que receberam a Jesus como único e suficiente Salvador e Senhor de suas vidas, será uma eternidade de paz, tranqüilidade, alegria e toda sorte de sentimentos e experiências positivas, que fogem até as palavras necessárias para descrevê-las.

Espero que essa questão não te incomode. Ou, aliás, talvez, que ao contrário, te incomode bastante, de modo a te fazer, leitor, refletir sobre esse tema tão relevante. Afinal, a vida só se vive uma vez, e bem ou mal a vivemos agora, bem ou mal colheremos seus frutos posteriormente. Não há porque ter medo do resultado. Pelo menos, não quando já se sabe previamente o que nos espera. Jesus me espera, o lar celestial é o meu futuro. Qual o seu? Onde você passará o resto da sua eternidade? A imortalidade que tanto se deseja, por que tanto se deseja?

Deus nos abençoe.

Resposta na tristeza

Hoje estou triste. A razão é a mesma de costume, e não vale a pena deter-me novamente a dizê-la, para não aborrecer muitos que já sabem do que se trata.

Antes de fazer meu tempo a sós com Deus, orei, declarei ao meu Senhor como me sinto, como está meu coração e pedi-Lhe uma palavra.

No meu costumeiro racionalismo não acredito em revelações “exotéricas”, e não falarei sobre isso agora, mas recebi uma palavra que me trouxe algum conforto, e peço a Deus que Ele continue a sua obra em meu coração através do consolador amador, seu Santo Espírito.

O texto que li, ao debruçar-me sobre a Palavra de Deus, encontra-se em Salmos 46:1-3, 10a que diz:

1 Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia.

2 Pelo que não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares.

3 Ainda que as águas rujam e se perturbem, ainda que os montes se abalem pela sua braveza.

10a Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus.

E quando comecei a meditar e escrever esse texto do qual já me despeço, veio-me à mente ainda um texto de Salmos 40:1 que diz “Esperei com paciência no SENHOR, e ele se inclinou para mim, e ouviu o meu clamor”.

Deus nos abençoe.

Pensamento do dia

“Quantos homens entre mim e Deus!” Jean-Jacques Rousseau

Das palavras de Rousseau, ditas há trezentos anos e hoje mais atuais do que nunca, lembro-me das dos apóstolos Paulo e Pedro, que parecem fazer coro e antecipar o problema que vemos ontem e hoje, de tantas pessoas quererem se interpor entre nós e nosso Pai, fazendo-se mediadoras, sacerdotizas de religiões que não religam o homem a Deus, mas o afastam através de suas inúmeras regras sem sentido, propósito ou fundamento.

“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem.” 1 Timóteo 2:5

“Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo.” 1 Pedro 2:4

“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” 1 Pedro 2:8

Não precisamos de homens entre nós e Deus, padres ou pastores, senão apenas de Cristo, o Mestre, o Caminho, a Verdade e a Vida, sem o qual ninguem vai ao Pai (João 14:6).

Isso nos chama à responsabilidade de não dependermos exagerada e inquestionavelmente de outros, podendo nos frustrar com suas falhas e fraquezas humanas, o que acaba por esfriar nosso relacionamento com o próprio Deus, que muitas vezes vira o bode espiatório sem culpa nenhuma pelas distorções faladas ou feitas em seu nome.

O filho pródigo

Não sei se já falei o que vou escrever abaixo. Capaz que sim, afinal essa parábola é uma das três que, pelo menos em minha opinião, são as mais conhecidas proferidas por Jesus, sendo as outras duas a do bom samaritano e a do semeador.

Por que resolvi falar sobre a parábola do filho pródigo? Porque foi usada no meu curso universitário e achei que ficou aquém do que poderia, mesmo com toda abstração, foco, e “liberdade de interpretação” dada pelo professor.

Sem mais delongas, segue o texto de Lucas 15:11-32.

11 E disse: Um certo homem tinha dois filhos;
12 E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda.
13 E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.
14 E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades.
15 E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos.
16 E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada.
17 E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!
18 Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti;
19 Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros.
20 E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.
21 E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho.
22 Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés;
23 E trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos;
24 Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se.
25 E o seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças.
26 E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo.
27 E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo.
28 Mas ele se indignou, e não queria entrar.
29 E saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos;
30 Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado.
31 E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas;
32 Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se.

Antes de fazer interpretações de caráter teológico, que fugiriam do escopo deste post e tomariam muito tempo e espaço, resolvi apenas colocar alguns pontos de caráter antropológico e do direito que considero relevantes para a melhor compreensão desse belíssimo texto bíblico.

1) assim como creio eu (não cursei essa disciplina ainda, por isso não dou certeza) o direito das sucessões somente se torna em direito real quando alguém falece e há alguma coisa para seus descendentes herdarem, já na época de Jesus o filho mais moço vivia apenas na expectativa do direito, ou seja, não tinha direito factual sobre a sua parte na herança, como ele alega ao pai na sua fala “Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence”. Na verdade os bens todos pertenciam ao pai, e não havia o que se falar de parte dos bens que pertencia ao filho mais moço, pelo menos não enquanto o pai estivesse vivo. Os costumes da época facultavam ao pai dar ainda em vida aquilo que caberia a um filho após a sua morte, mas era algo opcional, ele não era obrigado a fazê-lo e o filho não tinha o direito de cobrá-lo.

2) os versículos quinze e dezesseis falam que ele, a partir do momento que se vê em extrema dificuldade, passa a apascentar porcos. Aqui cabe uma explicação. Por que o ato de cuidar de porcos encontra espaço nessa parábola de Jesus? Para os judeus o porco é considerado um animal imundo, não sendo permitido aos mesmos comer sua carne ou sequer tocá-lo porque seria considerado cerimonialmente impuro quem o fizesse. Assim, o porco é o símbolo do proibido para o judeu, do intolerável, e no contexto da parábola, cuidar de porcos seria considerada a pior atividade possível para aquele moço, ou seja, o fundo do poço social, emocional e religiosamente falando. É interessante notar ainda o tipo de alimento que o moço passou a comer, bolotas. Em outras traduções aparece a palavra “alfarrobas”, que é um tipo de vagem que normalmente não é consumida por seres humanos. Vejamos onde esse homem veio cair.

3) o versículo vinte afirma que o pai, vendo o moço ainda longe correu ao seu encontro, e o abraçou e o beijou. É importante salientar que os líderes de clãs, especialmente de idade avançada, eram as pessoas mais importantes no contexto daquela sociedade. Assim, correr ao encontro do filho era algo impensável naquele tempo, e traria certamente opiniões severas contra o pai, assim como a vergonha para o mesmo. Além disso, vendo que o filho estava provavelmente sujo e descalço por ter trabalhado com porcos, abraçá-lo e beijá-lo, como diz o texto, seria trazer ainda mais vergonha ao pai, especialmente pelo que já falei sobre a proibição de sequer tocar em porcos, e ainda por cima que o homem que andava descalço naquela época era o escravo, porque mesmo os trabalhadores com salário, e os parentes e filhos então muito mais, eram os únicos que tinham o direito de terem sandálias. Mas isso não é tudo. Na verdade, o texto é especialmente impactante porque muda a perspectiva de quem traz sobre si a vergonha, a partir do momento de que o filho, quem tudo de errado cometera, que seria ridicularizado socialmente e passaria a viver em escárnio e opróbrio, perde o foco da cena e essa vergonha, esse embaraço recai no pai que faz tudo isso buscando evitar que o filho sofra, depois de tudo que já passara, mais esse constrangimento.

4) o verso vinte e um traz o reconhecimento do filho pródigo que havia: a) errado contra o céu, ou seja, ido contra os princípios norteadores de sua vida, sua ética, suas convicções morais e religiosas, seus costumes, tudo aquilo no qual fora criado e que era considerado por ele como certo e prudente; b) errado contra o pai, ou seja, abandonado sua família, e não apenas abandonado mas desprezado, especialmente o pai, enquanto liderança familiar e coletiva, enquanto empresário que tinha conquistado aqueles bens que ele perdera displicentemente, feito pouco caso dos valores familiares que recebera; c) admitia que já não era digno de ser chamado seu filho, assumindo que não possuía mais bens ou direitos a que reclamar, e que até aquilo que dali para frente teria seria por graça e bondade do pai.

5) o verso vinte e dois traz novamente à tona a questão das alparcas, do calçado. Não vou falar mais sobre isso porque já citei que o homem que andava descalço era considerado escravo, e que apenas o livre tinha o direito de andar calçado. Assim, cabe-me apenas ressaltar que o pai restitui a condição de homem livre, portanto detentor do direito de andar calçado daquele moço. Além disso, e mais importante do que o direito de ser livre, do que poder calçar sandálias, o pai restaura o moço à condição de filho, ao dar-lhe um anel representativo desta condição. Isso é importante porque o pai dá àquele jovem direitos que ele já não mais possuía, retorna a ele os direitos originais de herança.

6) no versículo vinte e nove vemos a outra face da moeda, o filho que ficou questionando seu pai sobre seus “direitos” como filho mais velho, que nunca tinha recebido sequer um cabrito para que ele pudesse fazer um churrasco. Cabem aqui três colocações: a) o filho mais velho faz a mesma coisa que o mais novo no começo, ou seja, requer do pai que ele torne em direito aquilo que permanece na expectativa das coisas, visto a herança, como já falei, só poder ser usufruída post-mortem; b) o filho mais velho tem a expectativa errada da lei, ou seja, não é necessariamente a visão de que seu irmão, por ter transgredido os mandamentos, deveria ser punido, mas que ele, por nunca as ter quebrado mereceria uma recompensa. Ora, hoje tanto quanto ontem sabemos que não é assim que as coisas funcionam, especialmente no direito penal; c) ao filho mais velho caberia a parte mais honrosa, tanto em qualidade quanto em quantidade, da herança do pai. É importante sabermos disso porque, especulando aqui poderíamos pensar que ele se indignou por ter sido dado ao irmão um churrasco do novilho gordo que talvez lhe pertencesse “por direito”. Além disso, sendo dois filhos, nesse caso, o mais velho receberia não a metade dos bens do pai, mas pela benção, pela tradição, teria direito a cerca de dois terços. No entanto, vendo a condição de filho ser restaurada ao irmão, é considerável supor que a sua parte que era a restante seria novamente rateada, cabendo-lhe agora uma parte significativamente menor do que a originalmente “de direito”.

7) o último ponto que gostaria de trazer como consideração à luz do direito ou do estudo antropológico, se posso fazer uso dessa palavra, é o do verso trinta e um, onde o pai mais uma vez abdica de seus direitos, de suas prerrogativas ao dizer ao filho que tudo que ele tinha era dele, ainda vivo, ou seja, reconhece perante o filho a sua pretensão de direito, e não apenas isso, outorga esse direito previamente ao contratado socialmente.

Bem, espero não tê-los cansado pelas minhas considerações sobre a parábola do filho pródigo. Essa é particularmente minha parábola favorita, e já ouvi inúmeras pregações a respeito da mesma. Procurei não entrar no mérito teológico, senão me estenderia demais, e fugiria da conotação ou escopo que procurei dar.

No entanto, se alguém em particular ler esse texto e sentir curiosidade ou quiser me perguntar algo mais sobre o mesmo, especialmente o que Jesus quis dizer teologicamente, ou qual é o impacto ou o significado espiritual desse texto, que procurei abstrair, mas que é o principal, a mais importante lição que Jesus procurou ensinar através dessas palavras, é só me enviar um e-mail ou perguntar de alguma outra forma que terei o maior prazer de conversar a respeito.

Deus nos abençoe.

P.S.: não me cabe questionar, de maneira alguma, a forma como o professor escolheu para abordar o assunto. Esse post, no meu entendimento e intenção, é apenas para complementar o que ele mesmo ministrou.

Os meios não justificam os fins, ou os fins não justificam os meios?

Os fins justificam os meios. Essa frase é atribuída a Maquiavel, e a partir daí é descrito como maquiavélico quem assim pensa.

Vários professores meus da faculdade têm mencionado essa afirmação de maneira recorrente, o que, no entanto, me trouxe uma séria dúvida.

Eu já li o livro “O Príncipe”, de Maquiavel, no qual supostamente estaria essa frase. Não a encontrei. Não posso nem afirmar que seria por questão de tradução diferente porque pelo menos a essência estaria lá em algum lugar.

Acho, na minha humilde opinião, que há um pequeno misunderstanding acerca do que Maquiavel trata em seu texto. Para mim, antes de dizer que os fins justificam os meios, Maquiavel pouco se importa com os meios, ele solenemente os ignora, faz como se não existissem, ou pelo menos suas consequências no âmbito da moral.

Maquiavel trata os fins pelos fins, ou seja, como fins em si mesmo. Eu sei, parece redundante e óbvio. No entanto, quero tratar um pouco mais sobre isso, porque entendo que aqui reside a raiz da aparente confusão.

Ao tratar dos fins pelos fins, e ignorar ou desconsiderar os meios, Maquiavel transcende a moral, ou seja, ele deixa de se preocupar se algo é moral ou imoral, tornando-se então amoral. Para ele pouco importa o caminho, importa o destino.

Creio que é completamente diferente de dizer que vale tudo para se chegar a um determinado objetivo, afirmar que o que vale, de fato, é o objetivo em si, e não como se chegou nele. Não sei se consegui explicar e entendo que o que parece claro na minha cabeça encontra certa dificuldade no papel virtual no qual escrevo.

No caso, Maquiavel quer justificar a aquisição ou manutenção do poder pelo príncipe, no qual este é o objetivo final, não importando, como já disse, como se chegou até ele, se por herança, conquista ou outra forma. Vale mais a pena chegar em algum lugar e então olhar para trás e ver o caminho traçado do que, olhando o caminho à frente deixar de percorrê-lo.

Aqui faço um paralelo particular em que o destino seria a manutenção do Estado e da ordem social (embora alguns possam considerar isso como manutenção do status quo da classe política e economicamente dominante, não falarei sobre isto), onde esse objetivo deve ser alcançado, e sendo o objetivo honesto, e o fim alcançado, isso é o mais importante.

Como falei, não se trata de uma questão de moral, trata-se de uma questão de fazer ou deixar de fazer.

Eu reconheço, em minha opinião, que o que eu escrevi acima se levado ao extremo pode ter a mesma conclusão do que escreveu Maquiavel, onde o injustificável pode ser a justificativa para um objetivo alcançado à custa de métodos pouco ortodoxos ou mesmo questionáveis.

No entanto, se eu abstraí do diálogo acima a moral, como penso que Maquiavel fez, isso não se traduz em pensar que a moral caminha longe do direito, ou que os meios para se atingir um fim não devam ser questionados ou fiscalizados.

Se, por um lado, um determinado objetivo, desde que socialmente aceitável e desejado, deva ser cumprido, e não é comparando quantitativa ou qualitativamente os meios para atingi-lo, mas estes devem ser sim morais. Não cabe alcançar ou manter a ordem social, o Estado, por exemplo, a expensas de seus cidadãos, elemento constituinte mínimo e máximo ao mesmo tempo.

Do direito de vida e morte

Estou lendo o livro “Do Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau, e acabei de ler um capítulo interessante, chamado “Do direito de vida e morte”, que fala sobre a pena de morte. Achei bastante interessante, especialmente porque sou à favor desse instrumento de punição, e decidi transcrevê-lo nesse post. Segue abaixo.

Do direito de vida e morte

Autor: Jean-Jacques Rousseau

Pergunta-se: não tendo os particulares direito de dispor da própria vida, como podem transmitir ao soberano esse direito que não têm? Esta questão, somente por estar mal posta parece difícil de se resolver. Todo homem tem o direito de arriscar a própria vida para a manter. Já disseram talvez que quem se lança pela janela, para escapar de um incêndio, seja culpado de suicídio? Imputou-se tal crime ao que perece numa tempestade, cujo perigo não ignorava ao embarcar? O fim do tratado social é a conservação dos contratantes: quem quer o fim quer também os meios, que são inseparáveis de alguns riscos e até de algumas perdas. Quem quer conservar a vida à custa dos outros deve também dá-la quando for preciso; o cidadão já não é juiz do perigo a que a lei o quis expor e, quando o príncipe lhe diz: convém ao Estado que morras, ele deve morrer, pois só com essa condição viveu até então em segurança, e a sua vida já não é só um benefício da natureza, senão um dom condicional do Estado.

A pena de morte que se impõe aos criminosos quase se pode igualmente considerar: para não sermos vítimas de um assassino toleramos padecer a morte, quando réus de tal crime. Longe de dispor da própria vida nesse tratado, nós cuidamos somente de a assegurar, e não creio que algum dos contratantes premedite nesse tempo ir à forca; assim, todo malfeitor, quando insulta o direito social, torna-se por seus crimes rebelde e traidor da Pátria, de que cessa de ser membro por violar suas leis e à qual até faz guerra; a conservação do Estado não é compatível então com a sua, deve um dos dois morrer, e é mais como inimigo que se condena à morte que como cidadão. Os processos e a sentença são as provas e declaração de que ele violou o tratado social, e já não é por conseguinte membro do Estado; ora, como ele assim se reconheceu, quando mais não fosse pela sua estada, cumpre ser isolado dele, ou pelo exílio como infrator do pacto, ou com a morte como inimigo público; que tal inimigo não é uma pessoa moral, mas um homem, e eis quando o direito da guerra é matar o vencido.

Hão de dizer porém: a condenação do criminoso é um ato particular. Concordo, ela não cabe ao soberano; é direito que ele pode conferir e não executar. Todas as minhas idéias se encadeiam, mas não me é dado expô-las todas ao mesmo tempo.

Ademais, a frequencia dos suplícios denota sempre fraqueza e desleixo no governo. Não há algum mau que não possa se tornar útil à sociedade? Logo não há direito de suplicar, mesmo para exemplo, salvo aquele cuja existência é perigosa a seus concidadãos.

Quanto ao direito de perdoar, ou eximir o criminoso da pena que a lei lhe impôs e o juiz pronunciou, ele só pertence a quem é superior ao juiz e à lei, isto é, ao soberano, e mesmo nisto não é bem claro o seu direito, e são bem raras as ocasiões de usá-lo. Poucas punições há num Estado bem regido, não por muito se perdoar, mas por haver poucos delinquentes: a multidão dos crimes assegura aos réus a impunidade quando o Estado se corrompe. Nunca a República Romana, nunca o Senado, nem os Cônsules se lembraram de conceder perdão; o próprio povo não o dava, embora às vezes revogasse a sua sentença. Repetidos perdões anunciam que em breve não os há de carecer o crime, e todos sabem onde isso vai parar… Mas sinto que o meu coração murmura e me suspende a pena; deixemos a discussão dessas questões ao homem justo que nunca delinquiu nem para si mesmo necessitou de perdão.

Gostaria de ressaltar algumas coisas que achei de particular relevância:

1) à pergunta de que se não temos o direito de dispor de nossa própria existência, como confiá-la a outrem, no caso o Estado, em termos de Direito, Rousseau argumenta que a vida é um dom, um benefício, e um direito concedido pelo Estado, que tem o direito e o dever de reavê-lo quando alguém, no interesse particular, põe em risco a vida de um terceiro, da ordem social ou do próprio Estado; não vou entrar no mérito da discussão sobre a própria vida, como ele mesmo evitou, principalmente nos aspectos filosófico-teológicos;

2) gostei também da consideração que o autor faz sobre a proporcionalidade da pena de um assassino. Ele diz que sentenciamos alguém à morte para nos proteger do mesmo crime que ele cometeu, e pode muito bem voltar a cometer. No entanto, para sair da mediocridade e simplismo da aparente aplicação da lei de Talião, Rousseau afirma ainda que um criminoso é, antes de um cidadão, que deixa de ser por abdicar das regras do convívio social impostas pelo Estado, um traidor e até um inimigo do mesmo Estado, um rebelde que deseja subverter a ordem vigente, não por revolução, mas pelo uso particular da força no seu interesse e em desfavor de outra pessoa. Para tamanho crime, as penas plausíveis para ele são o exílio, e aqui entendo o exílio tanto literalmente como desterro, como também o exílio social através do sistema prisional, e por último o instituto da pena capital, que é o que ele trata;

3) quanto à possibilidade de alguém se regenerar, nem eu nem o autor negamos essa possibilidade. Assim sendo, a variedade de crimes determina o tipo de pena e a punição deve ser proporcional ao dano infligido, à pessoa ofendida, e às consequencias do ato. Como não há possibilidade de reparação da vida tomada, porque a ressurreição é tão incomum que se essa raridade não é verdade eu perguntaria quantos de nós conhecemos alguém que, depois de assassinado, voltou à vida (e isso acontecendo seria por graça do Criador, e não pela vontade do juiz, do Estado ou pior, do réu caso esse se arrependesse realmente do cometido)? Nesse caso a sociedade demanda não a reparação, mas a eliminação daquele que já buscou por própria conta e risco afastar-se do convívio social;

4) lembrando os textos de Peter Berger sobre os métodos de controle social, a pena de morte por sua vez deve ser a exceção e não a regra, pois do contrário perderá seus efeitos. Por outro lado, como Rousseau afirma, o perdão à pena de morte, digo, ao réu condenado, não pode ser aplicada de maneira indiscriminada, senão desmoraliza a própria punição, cujo medo gerado deixa de existir;

5) é interessante notar que desde tantos anos atrás já se percebe que o Estado corrompido garante a impunibilidade dos criminosos, e não o contrário;

6) para concluir, não sei se essa era a idéia de Rousseau, mas suas últimas palavras lembram-me das palavras de Jesus aos líderes religiosos que trouxeram à sua presença uma mulher flagrada em adultério, exigindo dEle uma posição com relação à pena a ser ministrada, já que segundo a Lei Mosaica seria a morte por apedrejamento, ao que o Mestre responde que quem não tivesse pecado atirasse a primeira pedra. Esse é um tema complexo, pois envolve a vida humana, e embora ao Estado coubesse a princípio a manutenção desse direito, e defesa da mesma contra aqueles que dela fazem pouco caso, somos seres humanos, e acima de nosso direito, de nossas leis, e do próprio Estado, está Aquele que criou a vida humana, e que certamente chora ao ver uma criatura sua derramar o sangue de outra, Quem certamente não concorda em tomarmos vingança contra a vida alheia, ainda que em função do Estado do qual somos participantes e cidadãos.