Compreendendo os valores do reino: humildade e mansidão

Texto base: Mateus 11:29

Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas.


Recapitulação

Esta é uma série de mensagens intitulada “Compreendendo os valores do Reino”. Na primeira delas, falamos sobre o valor do trabalho. Não irei me repetir aqui, mas entre outras coisas vimos o que ele não é: um pecado, castigo ou maldição; e vimos o que ele é ou pode ser: uma forma de glorificarmos a Deus, e que deve ser feito com excelência, pois reflete o caráter de um Deus que é santo e perfeito em tudo que é e faz.

Na segunda mensagem, falamos sobre os valores da generosidade e gratidão. Algumas das coisas que vimos foram a diferença entre generosidade e a mera caridade; a motivação correta para sermos generosos; que devemos quebrar o círculo vicioso da ingratidão por meio da reclamação; aprendendo a desenvolver a gratidão como um estilo de vida; e que somos generosos na medida em que ou porque somos gratos.

Hoje, nesta terceira mensagem da série, falaremos brevemente sobre outros dois valores do reino, valores que remetem aos próprios valores e caráter do Rei: a mansidão e a humildade.

O nosso Senhor e Salvador tem nesse texto uma postura de mestre, de professor. Ele nos convida ao aprendizado. “Aprendei” é o verbo, e conjugado no imperativo passa uma ideia ainda mais forte, uma ordem.

Não é uma mera sugestão: “talvez vocês devessem aprender de mim”, “quem sabe vocês poderiam aprender” ou algo do gênero. A nossa leitura desse texto de maneira apressada pode ter feito ele perder sua força, mas de fato é uma ordem. Jesus também (e principalmente) é nosso Senhor, e nós, como seus escravos, devemos obedecê-lo.

Difícil é nós aprendermos a acatar ordens, aceitar a nossa condição de servos, e a sua de Senhor, soberano. O ser humano é teimoso demais e adora o controle remoto, não quer abrir mão dele de jeito nenhum. Esse sou eu e você, infelizmente.

Mas, antes de entrarmos especificamente nos valores, Cristo nos diz como faremos para aprendê-los, que é tomando sobre nós o seu jugo.


1 – “Tomai sobre vós o meu jugo”

Jesus começa dando a resposta ao nosso questionamento: como podemos aprender dEle? Tomando sobre nós o seu jugo.

Não o nosso jugo.

Não o jugo do mundo, seu sistema de valores.

Não o jugo da religião, qualquer que seja.

Não o jugo de ideologias, comunismo, feminismo, liberalismo ou outros “ismos”…

Não o jugo das instituições, placas de igreja, edifícios, organizações, por melhores que sejam seus valores, suas ações ou finalidades…

Não o jugo das pessoas em geral, nossos familiares, amigos, colegas de trabalho.

Seu jugo. O jugo de Jesus. O único que importa.

O contexto dessa passagem que lemos é sobre opressão. Vejamos o verso anterior que diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” – Mateus 11:28

O convite-ordem de Jesus não deve ser entendido como mais uma forma de opressão, não é apenas mais uma regra a seguir, algo para cumprir, ou talvez para se abster, como era a Lei mosaica que seus ouvintes daquela época estavam acostumados, ou pior, a sobrecarga religiosa que os fariseus e mestres da Lei colocavam e que tornavam o que já era difícil de obedecer em algo absolutamente, humanamente, impossível. O seu chamado é um convite ao alívio, à deposição de cargas!

Devemos aprender dEle. Ele ensinou, e não apenas por suas palavras, que demonstravam sua autoridade no que estava falando, mas principalmente por suas ações, comprovando na prática que o que Ele dizia era possível de ser feito, por Ele e por nós.

Em um mundo onde o normal é “faça o que eu digo e não o que eu faço”, Jesus nos chama a uma jornada de imitação. Sermos cristãos, “pequenos Cristos”, como crianças que aprendem por verem seus pais fazerem algo, e tudo o que Ele fez e deixou como exemplo era bom.

Para aprender de Jesus é preciso ser seu discípulo, seu seguidor de perto pois somente estando perto é que conseguimos ouvi-lo sussurrar em nosso ouvido palavras doces, ver sua expressão facial, sentir seu toque, seu cheiro…

Lembremos das multidões que costumavam andar com Jesus, havia toda espécie de pessoas: os curiosos, os que não entendiam direito o que estava acontecendo e iam junto com a maré, pessoas à espera de um milagre – uma cura talvez, os que comeram de graça e queriam repetir a dose, e mesmo líderes religiosos dispostos a pegá-lo em alguma falha que nunca cometeu.

Mas havia seguidores sinceros, dos quais setenta Ele comissiona para pregar o evangelho preparando a sua chegada em cidades que Ele haveria de visitar; os doze discípulos que andavam com Ele; desses, três que eram mais próximos, e um deles seu amigo íntimo.

Então a pergunta que temos de avaliar antes de mais nada é: que tipo de seguidor tenho sido? À distância ou de perto? Sincero, mesmo com minhas limitações, falhas e pecados, ou hipócrita, que tento esconder tudo isso sob uma capa de pureza espiritual que só não me faz levantar voo por falta de asas?

É andando com o Mestre que aprendemos a ser como Ele, manso e humilde, além de outras virtudes. Caminhar com Jesus e como Jesus requer ambas, mansidão e humildade, nos colocarmos na posição de servos, submissos, reconhecendo nossa inferioridade e a sua superioridade. E para tomar o seu jugo nesse caminho de aprendizado, é necessário tirar fora o nosso próprio jugo, aquilo que achamos ser importante, as pessoas, coisas, valores e circunstâncias às quais devotamos maior dedicação, esforço e o melhor de nosso tempo e emoções e que devem ceder lugar ao Senhor e ao que Ele deseja nos comunicar.


2 – Aprendendo a ser manso

Mansidão faz parte do fruto do Espírito, ou seja, é um traço de personalidade que é desenvolvido na vida do crente quando este caminha com Jesus em intimidade. Aliás, tudo que Paulo descreve em Gálatas 5:22 também corresponde de algum modo a um valor do Reino. É o Espírito Santo fazendo brotar em nós novos valores que frutifiquem o que é bom.

Nesse sentido, é bom que a gente perceba que há a mansidão natural e a sobrenatural, ou seja, pessoas que naturalmente possuem um temperamento mais calmo, tranquilo, e outras que adquirem essa característica, este valor.

Então, para deixar claro, quando falo da humildade e da mansidão como valores do Reino, não significa aquele tipo de temperamento ou comportamento que a pessoa recebeu de nascimento ou de berço, a educação que recebeu de seus pais, mas sim dos atributos divinos que Deus entrega a seus filhos.

Aqui não cabe mais a desculpa “eu nasci assim, vou morrer assim”, de forma alguma! Devemos procurar desenvolver esses atributos, tal como buscamos o fruto do Espírito, e novamente Jesus é nosso modelo e parâmetro.

Ser manso, na perspectiva bíblica, não significa ser tímido, introspectivo, calado, acomodado, molenga ou muito menos covarde, e por que eu digo isso? Porque Jesus, que foi o homem mais manso que já existiu, era um cara extremamente corajoso, valente mesmo, senão Ele não teria expulsado os vendedores do templo com um chicote feito de cordas, cf. João 2:15, e tantas vezes Ele não teria confrontado os fariseus e outros líderes religiosos de sua época.

Mansidão não tem nada a ver com esses adjetivos que citei. Pelo contrário, é um atributo de coragem, e eu digo mais, o manso não se cala frente a injustiça. Não!

Às vezes a gente pensa que o manso é aquele que fica calado pra tudo, isso porque fazemos uma má interpretação do texto de Mateus 5:39 de oferecer a outra face, no sentido de não lutar contra as injustiças, mas não, oferecer a outra face significa ceder a nossa vez, despir o nosso senso de justiça própria, mas quando a injustiça envolve outra pessoa, aí não, a gente não pode ficar calado vendo o outro sofrer! A Palavra de Deus manda a gente defender o direito do órfão e da viúva, do pobre e do oprimido pela sociedade, isso também é função e característica de quem é manso.

Mansidão, no dicionário bíblico, significa “a força revestida de veludo. É a calma, a tranquilidade e o equilíbrio emocional. A mansidão é necessária para agradar a Deus, para a convivência e para manter a paz”.

Vejamos com calma. Mansidão é, em primeiro lugar, “uma força revestida de veludo”, ou seja, não é uma fraqueza como nosso mundo prega. A pessoa pode ser mansa e ser destemida. Na verdade, a pessoa mansa normalmente é aquela que é corajosa e entende bem a força que possui, e tem a sabedoria para agir na hora certa e da forma adequada, sem se exasperar, sem piorar uma situação que já pode ser ruim.

De fato, penso que no atributo da mansidão em boa medida está o chamado a ser pacificador, pois o manso nesse caso é aquele que não põe lenha na fogueira, não faz a violência escalar, progredir, é aquele que está disposto a cumprir a ordenança de Jesus de dar a outra face caso receba um tapa (nesse caso faz sentido esse versículo!), e não partir pra porrada como infelizmente é o “normal”.

Perceba que, então, o manso-pacificador não pode significar ser fraco, pois num cenário de confrontação, de agressão, o fraco faz bem em não revidar ou reagir não por mansidão, mas por prudência… O manso é o forte, pois tem condição de reagir, sabe que poderia quem sabe até neutralizar a agressão ou o agressor propriamente dito, mas escolhe, com base no atributo do Espírito, na sabedoria de ler e entender a situação, que para honra do nome do Senhor e benefício do seu reino deve baixar as armas.

Mansidão anda lado a lado com a temperança, ou seja, a moderação (ou modéstia, que por sua vez é parente da humildade), e o autocontrole (ou domínio próprio), outro aspecto do fruto do Espírito.

Em segundo lugar, “ela é a calma, tranquilidade e equilíbrio emocional”. Acho que aqui reside a chave para a compreensão desse valor do Reino. Equilíbrio, e equilíbrio emocional. Ah, meus irmãos, como precisamos desenvolver esse atributo, como é urgente aprendermos a viver vidas equilibradas: 1) equilíbrio em nossos trabalhos, 2) em como gastamos nosso tempo, 3) em nossas finanças, 4) em nossos relacionamentos e, principalmente, 5) em nossas emoções. Vivemos em um mundo de pessoas emocionalmente doentes e infelizmente temos sido apenas mais uma delas por não conseguirmos aprender esse valor do Reino.

Em terceiro lugar, a mansidão “é necessária para agradar a Deus, para a convivência e para manter a paz”. Imaginemos, por um instante, se no mundo em que vivemos não houvesse pessoas mansas. Qualquer batida ou fechada no trânsito descambaria para as vias de fato ou até coisa pior. Maridos e esposas que já vivem em pé de guerra, mas conseguem se tolerar mutuamente, perderiam o controle e viveríamos realidades de violência doméstica ainda mais terríveis. Policiais não teriam o necessário controle para realizar prisões, para fiscalizar, para “servir e proteger” como diz o lema…

Nenhuma convivência humana é possível sem um mínimo de mansidão. Precisamos tomar a decisão de refrear nossos sentimentos egoístas de autopreservação, autossatisfação e imediatismo, e sim, isso pode e normalmente é cultivado “naturalmente” na sociedade para o benefício coletivo e para que a civilização se mantenha, mas somente quando buscamos desenvolver a mansidão que nos é dada pelo Espírito é que vamos além da mera convenção social e do simples utilitarismo.

Quando cultivarmos esse tipo de mansidão em nossas vidas, a promessa de herdarmos a terra, cf. Salmos 37:11 citado por Jesus no sermão da montanha, se tornará realidade, herança que é física, as coisas deste mundo, mas é principalmente espiritual. Somos chamados filhos de Deus, como pacificadores que somos, e pela filiação temos os direitos inerentes a essa condição, o maior deles a vida eterna que Deus reservou aos seus.


3 – Aprendendo a ser humilde

Para falar sobre a humildade, vamos começar deixando claro, de uma vez por todas, que ela não significa pobreza ou escassez de recursos materiais. Então, chega de nos referir a uma pessoa nessas condições como “humilde”, quando na verdade, se pensarmos bem, provavelmente você, como eu, já deve ter conhecido alguém que era financeiramente pobre, mas era uma pessoa arrogante, ou talvez o contrário, alguém rico, com casa própria, carro, e outros bens que a sociedade enxerga como sinais exteriores de riqueza, mas que era uma pessoa humilde.

O humilde, então, é o que não confia ou se apoia nas suas próprias potencialidades, riqueza, força ou poder, nem se considera superior a outras pessoas.

Vejamos o que diz o texto de Filipenses 2:3-8:

Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo.

Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros.

De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.

Por meio de sua encarnação, Jesus nos ensina que devemos nos humilhar em busca e em prol do outro, do nosso próximo, do nosso semelhante. Cristo é o ser mais poderoso do universo, um com Deus e Deus mesmo, e não teve apego à sua glória e poder naquele momento, uma vez que tinha como alvo obedecer ao Pai e demonstrar o seu amor por nós.

Então nós, da mesma forma, devemos nos despir das nossas vaidades enquanto vamos em direção ao que está caído na sarjeta, àquele que está passando necessidade, ao pecador que, como nós um dia, ainda não recebeu a mensagem do evangelho do arrependimento e salvação, não creu em Jesus como Senhor e Salvador de sua vida, e nós seremos aqueles que, de pés descalços, iremos ao seu encontro, quando, na maioria das vezes, ele não pode vir ao nosso.

É humilhação própria, matar o nosso eu, e não humilhar o outro, veja bem a diferença! Humilhar-se é ceder a vez ou, como o apóstolo falou, considerar os outros como superiores a nós mesmos, não atentar apenas para nossas próprias necessidades ou conveniências.

Aliás, na raiz da humildade está necessariamente o amor (e vice-versa), senão vejamos um trecho do conhecido texto de 1 Coríntios 13 sobre esse atributo e dom do Espírito:

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; – 1 Coríntios 13:4,5

A humildade, então, é uma forma de demonstrar o amor altruísta. Na verdade, o verdadeiro amor cristão é um amor humilde, porque não temos como viver, experimentar ou praticar um amor arrogante, soberbo.

Infelizmente, muitos de nós temos sido infectados com os valores da sociedade e não do Reino, que pregam que devemos ser grandes, ricos, famosos, em tempos de redes sociais conquistar muitos seguidores, e ainda damos a desculpa de que fazemos essas coisas para o engrandecimento do Senhor, para propagação do Evangelho, quando sabemos bem que é para alimentar nosso ego, nosso “amor-próprio”, vaidade de vaidade, como diria o autor de Eclesiastes.

Nesse mundo centrado em si mesmo, em nós mesmos, isso não é outra coisa senão idolatria, onde tiramos Deus de seu lugar, o centro, o primeiro, e colocamos o ser humano, o nosso “eu”.

Mas veja o que a Palavra diz, contradizendo esse fenômeno dos tempos modernos:

[…] Sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.
Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte […] – 1 Pedro 5:5b,6

E ainda Tiago, irmão do Senhor:

Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará. – Tiago 4:10

O remédio para a soberba é a humilhação voluntária, a sujeição que destrona o “eu”. Se o mundo prega a glória e a exaltação, que na verdade são falsos, pois vêm de nós mesmos e dos homens, a verdadeira glória e exaltação vêm de Deus, e Ele só faz assim com aqueles que se humilham. É o que diz os textos que acabamos de ler.

Humilde é o homem ou a mulher que sempre está disposto a aprender, e aprender de Deus, nunca está satisfeito com o que acha que sabe ou pior, tem a audácia de achar que sabe muito, que conhece tudo, que já viveu tudo que tinha a viver. É a pessoa ensinável. Só sendo humildes desenvolveremos a capacidade de aprender, e então responderemos ao convite-ordem de Jesus, de aprender dEle.

O arrogante, mesmo em face ao mandamento de Jesus não se submete pois acha que não precisa, é autossuficiente, o oposto de humilde.

Pra concluir esta seção, uma palavra aos “poderosos”. Por “poderosos”, e não falo de maneira depreciativa, quero dizer todos que possuem alguma característica que o mundo considera como uma vantagem pessoal, algo digno de nota, como, por exemplo, se é uma pessoa bonita pelos padrões sociais; se é rico – e aqui não vou entrar no mérito de estatísticas do IBGE, mas se eu ou você temos casa, carro e emprego certamente já somos “ricos o suficiente”; se tem uma formação acadêmica de nível superior, talvez mais de uma, quem sabe uma pós-graduação, mestrado etc.; ou mesmo que seu poder, sua “força” tenha caráter religioso, porque eu ou você “servimos muito” no reino, talvez lideremos um ministério, ou até se sou um missionário ou pastor…

Jeremias 9:23 e 24 diz o seguinte:

Assim diz o Senhor: “Quem tem muito conhecimento não deve se orgulhar disso; o homem poderoso não deve se orgulhar do seu poder, nem o rico de suas riquezas.
O único motivo de se gloriar diante de todo esse povo deve ser me conhecer de fato e saber que eu sou o Senhor que mostra ao mundo o verdadeiro amor, a verdade e a justiça, pois é dessas coisas que me agrado”, declara o Senhor.

Se possuir alguma dessas “vantagens competitivas” afeta a maneira como eu ou você nos dirigimos ou nos comportamos com relação a outras pessoas, no sentido de começarmos a nos sentir mais importantes, mais merecedores, ou talvez que o outro seja menos importante, ou não tão merecedor assim, então, certamente, o orgulho está afetando nosso espírito e nosso pensamento.

É hora, meus irmãos, de novamente trilharmos o caminho da auto-humilhação perante o Senhor, reconhecendo que não somos tão bons assim, que não somos nada, não valemos nada e até o pouco que valemos é devido à sua imensa graça e misericórdia para conosco por meio da vida e obra de Jesus, então não temos motivo para nos exaltarmos, não temos motivo para nos orgulharmos senão em Jesus, na obra dEle em nossas vidas, em sua cruz, em seu sangue.

O apóstolo Paulo fala sobre isso em Gálatas 6:14:

Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.

Por que ele falou essas palavras? Porque uma das maneiras mais sutis que o orgulho tenta se disfarçar e se infiltrar no coração humano, especialmente do servo e da serva do Senhor, é por meio de aparência de piedade, aparência de santidade.

Como assim? É você e eu acharmos que somos alguma coisa por causa daquilo que fazemos no reino. Aí meu irmão, minha irmã, está a nossa queda. É a mesma tentação do início, da serpente a Adão e Eva, de tentar fazer a gente acreditar que é bom, que é igual a Deus, nem que seja só um pouquinho…

O mesmo Paulo, dois versículos antes, fala sobre os que “querem mostrar boa aparência na carne”… É uma aparência que é somente externa, uma casca vazia, por isso na carne. A aparência genuinamente boa flui naturalmente do espírito, de dentro para fora, e não temos que nos “amostrar”, que aparecer. Quem se preocupa demais em aparecer, coloca Cristo em segundo lugar, mesmo que use “Jesus” ou um discurso religioso qualquer como pretexto ou desculpa.

O pior é que muitos que se esforçam demais em aparentar algo, especialmente no meio religioso, escondem um coração distante dos caminhos do Senhor. Veja a descrição que Paulo oferece a Timóteo sobre a nossa geração, sim a nossa geração! Está em 2 Timóteo 3:1-5:

Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos.
Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te.

Mas como pode, homens com características tão ruins terem alguma aparência de piedade? Hipocrisia. Lugar comum no meio religioso atual infelizmente.

Paulo, em 1 Coríntios 1:26-31, diz assim:

Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados.
Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele.
Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção; para que, como está escrito: Aquele que se gloria glorie-se no Senhor.

Então cuidado se você acha que tem muito a oferecer ao Reino, como se o Senhor dependesse de você, ou precisasse de mim, pecadores miseráveis que somos… Deus não escolhe os melhores, na verdade Ele escolhe quem Ele quer, mas normalmente aqueles que não possuem essas virtudes ou predicados todos exatamente para que a glória nasça e permaneça nEle!

O conhecido texto de Efésios 2:8-9 diz:

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.
Não vem das obras, para que ninguém se glorie;”

Ninguém tem a competência, os atributos, as qualidades para se gloriar. Quem poderia? Só Jesus! Obras? Que obras? O que, sinceramente eu poderia fazer para me gloriar em alguma coisa?

Ah, meus amigos, nesses dias onde vemos irmãos e até líderes do povo de Deus se exaltarem, gastando tempo e esforço em busca de aplausos, migalhas de popularidade, seguidores em redes sociais, que carência é essa, que necessidade de autoafirmação, como se pudéssemos utilizar no Reino as mesmas estratégias e métodos de crescimento que as pessoas utilizam no mundo em seus negócios, e ainda dando a desculpa esfarrapada de que é pra fazer conhecido o nome de Jesus…

É nada, meu povo, pode até ter começado assim, dando um voto de graça ao irmão que porventura esteja fazendo isso, mas chega um ponto e já chegou, onde a igreja, eu e você, precisamos cada vez mais fazer como João Batista, cf. texto de João 3:30 “É necessário que ele cresça e que eu diminua”.

Jesus só vai crescer quando eu e você diminuirmos. Se o nosso interesse é crescer e aparecer, pode ter certeza que Jesus ficará em segundo plano, por “melhores” que sejam as nossas intenções. O melhor cenário sempre será quando nós somos a vírgula ou a nota de rodapé da história de Jesus e não quando Ele é a nota de rodapé da nossa história, afinal Ele é o Senhor da história, incluindo a minha e a sua.


Conclusão

Essa ordem disfarçada de convite não poderia ser mais atual e mais necessária.

Jesus nos chama a uma jornada de discipulado, que parte do seu exemplo, Ele que foi a encarnação da mansidão e da humildade. Ninguém que aqui andou e viveu foi mais humilde e manso do que Ele, o próprio Deus que desceu à Terra e assumiu a forma de uma de suas frágeis criaturas, abdicando momentaneamente do esplendor de sua glória, de todo o poder do Universo que lhe pertence, nascido como um pequeno bebê de uma família pobre do interior de Israel. Ele que deu sua vida como ovelha muda perante os seus tosquiadores, cf. Isaías 53:7, o Senhor dos Senhores e Rei do Universo sofreu o impensável por amor de mim e de você.

O texto que estamos meditando termina com “e encontrareis descanso para as vossas almas”. Essa não deve ser a motivação principal ou única da nossa busca por mansidão e humildade em nossas vidas, mas sim sermos mais parecidos com o Senhor. No entanto, na medida em que esses valores do Reino impregnam a nossa alma, ela acha o descanso que nenhum outro lugar, nada mais e ninguém pode oferecer.

Antes de terminar, eu gostaria de pedir perdão a algum irmão se porventura ofendi alguém com minhas palavras duras. Eu não tenho prazer em trazer palavras duras e dar patada no púlpito. Não! Eu tento, realmente, na medida do possível, falar única e exclusivamente o que Deus falou comigo em primeiro lugar, e o que Ele mandou trazer à igreja.

Eu estou no mesmo barco que todos. Eu, por exemplo, sou constantemente desafiado quando dirijo em nossa selva urbana todos os dias e me deparo com pessoas que não respeitam as mais básicas leis de trânsito. Eu não estou falando de etiqueta social ou gentileza, estou falando de lei, algo que todo mundo deve cumprir, e, no entanto, eu tenho que respirar fundo pra não xingar, não reagir, mas isso aí, meu irmão, é pra você ter uma ideia de que cada um, da sua forma, também é desafiado com relação aos atributos da mansidão e da humildade.

Por que?

Porque quando Cristo nos chama a uma jornada de aprendizado, a pedagogia é muito simples: Ele ensina, e depois vem a prova. A gente sabe disso do colégio, da faculdade, a gente tem aula e depois é testado. Então, se a gente é chamado por Cristo a aprender dEle mansidão e humildade, e esse é o desejo do nosso coração, pode ter certeza que a gente vai ser testado e provado com relação à nossa mansidão e humildade. Eu não sei como vai ser, mas a certeza é que a gente vai ser testado. Então a gente tem que pedir a Deus muita calma nessa hora, muita humildade, pra realmente pôr em prática o que a gente tem aprendido. Não adianta acharmos que a gente vai aprender de Jesus mansidão e humildade pra deixar guardado no bolso ou no livro, apenas como uma teoria, não é assim que funciona. É mais como uma atividade física, que a gente vai fazendo musculação e é dureza, a gente vai puxando peso, na máquina, e o músculo dói, e só depois de muito tempo é que a gente vê o resultado e é a mesma coisa com a mansidão e a humildade. No começo, a gente apanha, erra, cai, mas depois de um tempo nessa jornada, o Espírito Santo vai trabalhando em nosso caráter de maneira que esses atributos se tornam uma realidade em nossa vida.

Cada pessoa sabe onde o calo aperta, no sentido de onde é tentado, mas a tentação com relação à arrogância, ao orgulho e à destemperança, à irritabilidade e à grosseria, que é onde a gente precisa trabalhar e desenvolver os atributos da mansidão e da humildade, afetam nós todos, a humanidade em geral, e nós que somos líderes sofremos ainda mais com essas tentações, nós muitas vezes somos tentados até mais do que a média nesse sentido, porque é muito fácil você estar aqui na frente numa posição de destaque e se orgulhar, se envaidecer “Ah, não, porque Deus me usou”, “Ah, porque eu fui instrumento nas mãos de Deus”, “Ah por que isso ou aquilo outro”, é muito fácil cair nessa tentação.

Perceba que o Diabo, ele tenta até o próprio Senhor, como a gente vê em Lucas 4, no episódio da tentação de Jesus, uma das formas do Diabo tentá-lo é através do orgulho, mas ele que se enganou achando que ia tentar o Filho de Deus e o próprio Deus, tentar fazê-lo cair nessa pegadinha, e é isso que Jesus quer nos ensinar, a sermos humildes, a sermos mansos, e como eu falei e repito aqui, humildade e mansidão não significam ser fraco, muito pelo contrário, é só o forte que pode ser manso, é só o forte que pode ser humilde.

A minha oração hoje é primeiramente reconhecendo e me arrependendo por ser um homem de temperamento difícil, nada dócil, de espírito altivo que precisa se humilhar perante Deus, e que habito no meio de um povo também rebelde e arrogante.

Uma vez que reconhecemos isso, devemos pedir ao Pai que desenvolva em cada um de nós a mente de Cristo, o seu caráter, trabalhe em nossas vidas nos fazendo pessoas mais mansas e humildes. Se queremos ser mais parecidos com Jesus, um bom começo é aprendendo a ser mansos e humildes como Ele foi.

Deus nos abençoe.